Autismo e brócolis
Dr. Estevão Vadasz
Desde Hipócrates e Galeno, ao longo de séculos, físicos (médicos) e alienistas (psiquiatras) notaram e registraram que alguns pacientes psicóticos na vigência ou na fase pós-febril apresentavam melhoras extraordinárias, com remissão de alucinações e delírios. Baseados nessas observações empíricas introduziram dezenas de procedimentos com o objetivo de induzir artificialmente febre (substâncias químicas e micro-organismos) para tratar de seus pacientes.
O apogeu dessas práticas ocorreu no século 19 com a introdução da piroterapia nos hospitais psiquiátricos como procedimento rotineiro e acabando por premiar o psiquiatra austríaco Julius Wagner-Jauregg com o prêmio Nobel de medicina em 1927 por seu trabalho com pacientes portadores de neurossífilis usando a malarioterapia. Com o advento da moderna psicofarmacologia em meados do século passado essas práticas foram totalmente abandonadas.
E o que essa história toda tem a ver com o autismo?
Pesquisadores da Lurie Center for Autism (hospital escola da Faculdade de Medicina de Harvard) ouviram dezenas de relatos de pais de pacientes autistas afirmando que seus filhos ''melhoravam'' muito após um episódio febril. Ao contrário das especulações de antanho, baseadas no empirismo, hoje conhecem-se as bases neurofisiológicas responsáveis por esse fenômeno: trata-se da resposta ao choque térmico, mecanismo que protege os neurônios do estresse oxidativo (ação antioxidante), neutralizando os radicais livres e reduzindo o processo inflamatório que acomete o sistema nervoso central.
Passo seguinte: faltava o ''remédio'', a substância ou princípio ativo que pudesse promover esses benefícios terapêuticos aos portadores de autismo.
Eis que surge um grupo de pesquisadores da Johns Hopkins University (Terra Mater de Léo Kanner) que, em 1992, isolou e patenteou uma substância chamada de sulforafano, extraído de brotos de brócolis, substância com as propriedades terapêuticas procuradas. Os dois grupos de pesquisadores se associaram para testar a substância em 26 pacientes do sexo masculino com idades entre 13 a 27 anos, portadores de autismo de baixo a moderado funcionamento.
O resultado foi surpreendente: 13 dos 26 pacientes apresentaram melhoras significativas nas áreas de sociabilidade, comunicação e diminuição de comportamentos repetitivos e disruptivos. A pesquisa durou 18 semanas e as cápsulas de sulforafano foram fornecidas pela Brassica Protection Products, licenciada pela Johns Hopkins. Infelizmente após a conclusão da pesquisa e suspenção do sulforafano todos os autistas regrediram para o estado inicial sugerindo que o tratamento deve ser crônico.
Sabedoria popular. Parece que nossas mães e avós conheciam as propriedades terapêuticas do brócolis. Quem, quando criança não ouviu: ''coma os seus brócolis''? Paradoxalmente o item mais odiado do cardápio infantil.
A pesquisa foi publicada online no periódico Proceedings of the National Academy of Sciences em 15 de outubro passado sob o título: ''Sulforaphane treatment of autism spectrum disorder''.