Descobriram a causa e a eventual cura do autismo. Será?
Dr. Estevão Vadasz
Ou
A espetacularização de uma notícia e suas consequências.
No dia 21 de agosto p.p. num entusiasmado press-release, que se tornou ''viral'' na imprensa internacional (menos no Brasil e outros países periféricos), o media center da Columbia University Medical Center anunciou: ''Crianças com autismo possuem excesso de sinapses: possível normalização com uso de medicamento após diagnóstico''. A notícia gerou imensa expectativa entre familiares de autistas, seguida de grande frustração. O título do press-release sugeria que a causa do autismo e seu tratamento havia sido descoberto.
Nada mais falso. O título original do artigo, publicado on-line na revista eletrônica Neuron se referia apenas a UMA entre centenas de causas do autismo; a disfunção regulatória da proteína mTOR que, em circunstâncias normais, sinaliza o quanto de arborização sináptica deve ocorrer em nosso cérebro.
Sinapses são estruturas localizadas nas extremidades dos neurônios que tem como função trocar informações entre si. Excesso de sinapses levam o sistema de processamento de informações ao colapso.
No início de nossas vidas ocorre um crescimento explosivo de neurônios e sinapses em nosso cérebro, que em circunstâncias normais, passam por um processo chamado de ''poda neuronal'' (apoptose, autofagia) que elimina os excessos e organiza a arquitetura do nosso cérebro, para que este funcione de forma eficiente e saudável.
A disfunção da proteína mTOR e suas consequências foram observadas pela equipe de cientistas em amostras de tecido cerebral (post-mortem) de 26 indivíduos autistas na faixa de 2 a 20 anos e comparadas com material de um grupo controle constituído por 22 indivíduos sadios. Resultado: tecidos examinados de indivíduos autistas apontavam aumento significativo de sinapses.
O próximo passo foi reproduzir a disfunção em camundongos geneticamente modificados, usando como matriz as alterações genéticas encontradas em indivíduos portadores de esclerose tuberosa (síndrome de Bourneville) responsável por menos de 1% dos casos de autismo em seres humanos.
Aos camundongos ''autistas'' foi administrado o fármaco rapamicina (sirolimus, everolimus), substância desenvolvida a partir do trabalho pioneiro de cientistas brasileiros, em 1965, na ilha da Pascoa (Rapa-Nui). Como esperado, ocorreu uma diminuição significativa de sinapses assim como de comportamentos ''autísticos'' entre os roedores. Praticamente uma cura.
A rapamicina é uma substância extremamente tóxica, com muitos efeitos colaterais, usado como imunosupressor em transplantados e alguns tipos de câncer, portanto inviável no tratamento de crianças autistas. A esperança consiste em desenvolver medicamentos com ação terapêutica similar sem seus efeitos colaterais.
Concluindo: o autismo é um transtorno extremamente complexo com centenas de etiologias (causa), nem todos causados por excessos de sinapses, aliás, poucos o são. O artigo se refere apenas a um deles, o que não é pouco, considerando que vivem em nosso planeta 70 milhões de autistas. Mesmo tratando-se de ''curar'' menos de 1% deles é sem dúvida um grande e promissor avanço.