Planeta Autismo por Dr. Estevão Vadasz

Transplante de fezes e ovos de verme suíno: tratando autistas

Dr. Estevão Vadasz

Entre as dezenas de teorias causais do autismo, algumas são recorrentes, como a que atribui a causa do transtorno a um processo inflamatório crônico do aparelho digestivo, de natureza imunológica.

Teoria esta inspirada nos trabalhos independentes porém complementares dos Drs. David Stracham em sua ''hipótese da higiene'' (1989) e Graham Rook com a ''hipótese dos velhos amigos'' (2003).

A ''hipótese da higiene'' sugere uma mudança importante em nosso microbioma (bactérias, virus, e fungos que nos habitam) iniciada há 10.000 anos atrás, quando passamos de caçadores-coletores nômades a agricultores assentados em comunidades fixas. Com o processo de urbanização surgiram novas doenças infecto-contagiosas típicas de aglomerações (''crowd infections''), responsáveis por dezenas de epidemias que aniquilaram milhões de indivíduos ao longo dos últimos séculos.

Há duzentos anos iniciamos uma lenta porém contínua revolução sanitária, com a identificação de microorganismos patogênicos, tratamento de água e esgoto, coleta de lixo, hábitos de higiene pessoal, bactericidas, vermífugos, vacinas e todo tipo de desinfetantes.

Stracham conclui que nesse mundo esterilizado alteramos significativamente nosso microbioma, perdendo inquilinos vitais para a manutenção eficiente e saudável de nosso sistema imunológico.

Rook por sua vez amplia o conceito, sugerindo que nosso sistema imunológico foi construído ao longo de centenas de milhares de anos, dentro de uma perspectiva darwinista-evolucionista. Essa longa convivência com microorganismos e outros parasitas seria responsável pela constituição daquilo que é hoje o nosso sistema imunólogico, ou que deveria ser. Já não somos caçadores-coletores nômades, vagando por florestas, pântanos, estepes e desertos. Como seres urbanos perdemos o equilíbrio entre nosso micro e macrobioma original e ancestral, causando consequentemente uma pane em nosso sistema imunológico.

Apesar dos danos sugeridos pelos autores, grande parte da população dos países desenvolvidos continua desfrutando de uma vida sadia e longeva. É verdade que destruímos parte de nosso micro e macrobioma (protozoários e helmintos), peças importantes de nossa máquina imunológica. E é verdade também que nos últimos cem anos houve um aumento considerável na incidência de ''novas   doenças'': alergias, doenças inflamatórias (agudas e crônicas) e autoimunes.

É nessa categoria, segundo alguns cientistas que o autismo se insere. Uma doença inflamatória crônica do aparelho digestivo com repercussões sistêmicas. As paredes do intestino grosso (cólon), mais permeáveis, permitiriam, em tese, a passagem de moléculas tóxicas para o sistema circulatório e através deste, passando pela barreira hematoencefálica (que protege o cérebro da invasão de patógenos) atingiriam o cérebro, causando graves danos (o autismo).

No entanto nosso microbioma digestivo continua rico em diversidade. São 100 trilhões de bactérias, de 300 à 600 espécies diferentes exercendo dezenas de atividades vitais: produção de enzimas digestivas, vitaminas, absorção de nutrientes, controle de microorganismos patôgenicos (''os maus, de má índole''), graças à um sistema imunológico ainda eficiente e saudável.

Pesquisas recentes demonstram que o microbioma digestivo de indivíduos autistas é pobre em diversidade, com a presença desproporcionalmente alta de microorganizmos patogênicos, que denominamos disbiose, com o consequente desequilíbrio imunoregulátorio.

É necessário levarmos em consideração que este fenômeno ocorre devido aos hábitos alimentares exóticos dos indivíduos autistas: apetite muito seletivo, dieta extremamente restrita e pouco saudável. Crianças autistas apresentam frequentemente problemas digestivos: constipação, diarreia, flatulência, cólicas e refluxo gastroesofágico.

Como tratar?

Supondo que todas essas hipóteses e teorias são verdadeiras, a opção terapêutica é introduzir no organismo desses pacientes um microbioma saudável (próbioticos).

Como fazê-lo?

Também parece óbvio. Basta consumir alimentos ricos em próbioticos: leite e alimentos fermentados, iogurtes, coalhadas, suplementos e cápsulas ou sachês contendo próbioticos liofilizados.

Funciona?

Não, apesar de serem alimentos muito saudáveis, as poucas bactérias (2 a 3 espécies) neles contidos são destruídos ao chegar no nosso estômago pelo ácido clorídrico.

Quais são as opções? A Imunoterapia Próbiotica.

1. Introdução de microbioma via transplante fecal.

2. Introdução de macrobioma, via ingestão de ovos de vermes suínos.

Transplante de Macrobioma Fecal – Em uso na China há séculos, foi introduzido no ocidente pelo Dr. Ben Eiseman em 1958. Trata-se de um procedimento simples e de baixo custo, com eficácia comprovada  no tratamento de infecções graves do aparelho digestivo por bactérias resistentes à antibióticoterapia e em fase experimental no tratamento de doenças inflamatórias e autoimunes com respostas bastante satisfatórias e promissoras.

Basta colher 50 gramas de fezes de um doador sadio, geralmente um parente do receptor (que passará por uma bateria de exames laboratoriais) e diluir o material em água estéril ou soro fisiológico (de 200 a 500 ml), processado em laboratório para a obtenção de uma solução homogênea que será filtrada para retenção de resíduos sólidos. A solução obtida sera introduzida no intestino grosso via colonoscópio.

Para aqueles que consideram o processo asqueroso, surgiu em 2013 uma opção alternativa. O Dr. Thomas Louie da Universidade de Calgary criou uma cápsula ácido-resistente contendo toda a flora intestinal do doador, bastando degluti-la em meio copo d'água.

Ingestão de ovos de vermes suínos (Helmintoterapia) – Introduzido recentemente no arsenal terapêutico do autismo pelo Dr. Eric Holander (2013). Trata-se do uso terapêutico de ovos de Trichuris suis ('' verme chicote''), um dos ''velhos amigos'' do Dr. Rook, inofensivo para o ser humano e com comprovada ação imunoregulatória. Administra-se a cada 15 dias durante 3 meses, 2500 ovos via oral.

Os resultados terapêuticos tem sido idênticos àqueles obtidos com o transplante de microbioma fecal.

Finalizando, estes procedimentos tem, segundo pesquisas, melhorado o comportamento disruptivo de pacientes autistas: irritabilidade, impulsividade, agressividade e agitação.

Apesar desses resultados promissores é necessário cautela e paciência. As experiências devem ser replicadas e avalizadas pela comunidade científica.